sábado, 19 de novembro de 2011

Uma coisa em forma de assim



"Os Convencidos da Vida Todos os dias os encontro. 
Evito-os. 
Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. 
Já não me confrangem. 
Contam-me vitórias. 
Querem vencer, querem, convencidos, convencer. 
Vençam lá, à vontade. 
Sobretudo, vençam sem me chatear.
Mas também os aturo por escrito. 

No livro, no jornal. 
Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). 
Será que voltaram os polígrafos? 
Voltaram, pois, e em força.
Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. 

Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista.
Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador. 

Além de espectadores, o convencido precisa de irmãos-em-convencimento. 
Isolado, através de quem poderia continuar a convencer-se, a propagar-se?(...) 
No corre-que-corre, o convencido da vida não é um vaidoso à toa. 
Ele é o vaidoso que quer extrair da sua vaidade, que nunca é gratuita, todo o rendimento possível. 
Nos negócios, na política, no jornalismo, nas letras, nas artes. 
É tão capaz de aceitar uma condecoração como de rejeitá-la. 
Depende do que, na circunstância, ele julgar que lhe será mais útil.
Para quem o sabe observar, para quem tem a pachorra de lhe seguir a trajectória, o convencido da vida farta-se de cometer «gaffes». 

Não importa: o caminho é em frente e para cima. 
A pior das «gaffes», além daquelas, apenas formais, que decorrem da sua ignorância de certos sinais ou etiquetas de casta, de classe, e que o inculcam como um arrivista, um «parvenu», a pior das «gaffes» é o convencido da vida julgar-se mais hábil manobrador do que qualquer outro.
Daí que não seja tão raro como isso ver um convencido da vida fazer plof e descer, liquidado, para as profundas. 

Se tiver raça, pôr-se-á, imediatamente, a «refaire surface». 
Cá chegado, ei-lo a retomar, metamorfoseado ou não, o seu propósito de se convencer da vida - da sua, claro - para de novo ser, com toda a plenitude, o convencido da vida que, afinal... sempre foi. "

Alexandre O'Neill, in "Uma Coisa em Forma de Assim"

5 comentários:

  1. Bom dia Sandra!

    A imagem do pavão casou perfeitamente com o texto.

    Tem comidinha da nossa terra na Jubiart...

    Um sábado iluminado p/ vc!

    Beijooooooooooooo

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  2. Olá, queria
    A "pavonite" tem odor desagradável demais...
    Bjm de paz e ótimo fim de semana

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  3. Sandra,
    que texto estupendo.Como vamos retratando nossos conhecimentos a cada linha, a cada parágrafo.O autor é de uma felicidade total ao traçar o perfil até mais usual do que gostaríamos,do convencido da vida.
    O ser humano carrega em si uma tal pitada de vaidade, o que é até aceito como benéfico, porém aqueles que a tatuam na testa em luzes pisca-pisca e buscam assim,ofuscar todos os que se aproximam, é de no mínimo, total falta de simancol.
    Adorei.Bjoss,
    Calu

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  4. Olá, Sandra!
    Que texto fantástico! E como tem convencido da vida hoje em dia. Aquele que pensa que só ele viajou, que só ele sabe de tudo.
    E eu, a cada dia me convenço mais que só sei que nada sei.
    Adorei te visitar.
    abraço carioca

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  5. OI Sandra, estou aproveitando enquanto as meninas se arrumam para irmos aoteatro para me atualizar do seu blog. Para estar aqui preciso de tempo e concentração para desfrutar e absorver todos os ensinamentos que você nos possibiita com esses textos lindos, muito bem selecionados. Sua cultura e sua experiência nos proporciona grandes aprendizados.
    Muito obrigada por compartilhar.
    beijos
    Chris
    http://inventandocomamamae.blogspot.com/

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